tag:blogger.com,1999:blog-86729435897459218792024-03-07T19:34:57.783-08:00Victor Veiga - Prosa e Versovictor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.comBlogger11125tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-43752764151711933202017-07-17T11:23:00.000-07:002017-07-17T11:23:32.074-07:00FAROLApesar de, por ambição,<br />
<div>
quererem nos calar, nos fazer duvidar</div>
<div>
Apesar do homem imoral, da vida desigual</div>
<div>
De trocarem o inestimável por um carnaval<br />
<br />
Apesar de tomarem como bem o que é mal<br />
De amontoarem cabeças de justos<br />
De nos agourarem os bons frutos<br />
Vendendo ao povo sobras de um tempo mau<br />
<br />
Minha luz será um farol<br />
Revelando que os fantasmas<br />
São um monte de nada<br />
Para provar que a escuridão<br />
É ilusão<br />
É fugaz<br />
E logo passa<br />
<br /></div>
victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-5877653353488198012015-03-19T19:06:00.004-07:002015-03-19T19:06:59.254-07:00Outro Filho Pródigo<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;"> Andando de pés descalços no calor
das ruas de Goiânia, uma figura raquítica sorria para a noite. Enquanto
caminhava, via-se claramente a repulsa dos "cidadãos de bem" ao seu
estado. Mais que isso: via-se o medo de que ele se aproximasse. Era jovem (apesar
de aparentar ter o dobro da idade), olhos claros, cabelos agradavelmente
cacheados, nariz borrado de foligem. As mãos estavam escurecidas, sujas,
calejadas pela vida nas ruas. Roupas maiores que o corpo, pés feridos, unhas
irregulares, pretas. Apesar de maltratado, seu sorriso era irrefutável. Sua
tristeza também.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;"> Enquanto subia a rua dez, pedia aos
que encontrava algum trocado para completar um lanche. Não retribuiu um “não”
sequer com dissabor: pagou a todos eles com um bom sorriso e um “muito
obrigado”. Parou então diante de um casal, que também comia – como os outros a
quem abordou – em um dos pit-dogs entre a praça Cívica e a Universitária:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Boa noite. Desculpa
incomodar vocês. Eu sei que querem namorar um pouco, mas vocês teriam algum
dinheiro para completar um sanduíche? Qualquer quantia. Falta só um pouquinho.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Claro que sim. E
você não incomoda não – disse o rapaz -. Isso é tudo o que tenho agora. É o
troco do sanduíche.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Bom demais. Dá pra
comprar até um melhor do que eu estava planejando. – e foi ao balcão, pedir o
seu.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;"> Fernando desconfiou, por um momento,
que o jovem usaria o dinheiro para comprar drogas. Não conseguiu deixar de
notar as queimaduras típicas na ponta dos dedos, mas sentia que precisava acreditar
no garoto agora. Sua esposa e ele ficaram aliviados de não terem cometido o
mesmo equívoco dos outros. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;"> Os três aguardavam seus sanduíches
chegarem, enquanto conversavam:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Sou morador de rua
desde os treze. Eu que decidi fazer isso, porque não queria dar trabalho pra
minha família. Fugi de casa pra não ficar dando desgosto para meus parentes em
casa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Por quê?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Porque comecei a mexer
com droga. Quando eu percebi que estava viciado demais saí de casa. Antes que a
droga me fizesse cometer alguma besteira contra minha família, que começasse a
roubar e vender as coisas de dentro de casa pra fumar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;"> A maioria dos usuários de drogas
começa com lícitas ou ilícitas que podemos considerar como “leves”: cigarro,
bebida, maconha. Depois, gradativamente, se arrisca em outros tipos de
entorpecentes mais nocivos. Qual e o quão nocivo depende muito do país em
questão. No Brasil, o campeão disparado de vendas e destruidor de lares é o
crack. Trata-se dos detritos resultantes da fabricação de cocaína. Uma pedra varia
em tamanho e efeito, dependendo da forma como se misturam os elementos do
refino ao restante. Formadas as pedras, são empacotadas e vendidas. Seu efeito
é rápido: diz-se que qualquer dose de consumo dela causa dependência química
instantânea. Por isso, o crack pode impelir o usuário a fazer o que foi
descrito pelo jovem de rua.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Você prefere a rua
ou sua casa?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Minha casa... – e o
olhar ficou distante. – Eu tenho casa, na verdade. Sou casado agora, e minha
esposa sabe que eu uso. Quando eu desapareço, ela sabe que é por causa disso.
Tadinha... fica aflita por minha causa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Por que você não
para de vez?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_Já tentei. Fui
internado em uma instituição dessas, de evangélicos. Foi muito bom: conheci
Jesus lá dentro, quis muito me libertar, mas essa desgraça dessa droga não me
deixa. O povo acha que é fácil se livrar delas, que você para na hora que bem
entende. Só que você pensa: “não estou com vontade de parar”, e é aí que você
vira escravo: por causa de sua vontade. Você sempre vai ter vontade de usar. A
decisão vai ser se você prefere o “barato” ou a sua saúde, sua família. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Mas
assim, moço: nunca fiz mal a seu ninguém. Eu consigo uns trabalhos aí, cato
latinha, vigio carro, e uso droga com esse dinheiro. Os “polícia” me conhece,
sabem que não faço nada de errado não. Tem até o Sgto. Tavares, que toda vez
que me pega usando me dá um sermão. O cara é gente boa. Teve uma vez que ele
até me prendeu pra não me deixar usar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_Ele te fichou por
alguma coisa?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_Que nada, o pessoal
do Batalhão me conhece também. Só prenderam mesmo. Achei ruim na hora, mas não
falei nada. Eles queriam me ajudar, né? No máximo, eles me tomam a droga e
levam pra longe. Por causa disso até fiz amizade com eles. Nunca tomei pancada
de PM nenhum: esses que apanham deles aí são os que fazem coisa errada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Que bom que você
tem pessoas que te querem tão bem.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;"> Fernando que o diga. Ele é
evangélico, e teve um discípulo que deu muito trabalho. Depois que saiu da
célula, se envolveu com traficantes, passou a usar drogas e cometer pequenos
delitos. A família dele – já antes ausentes, frios, omissos – o escorraçou de
casa, e isso o forçou a se engendrar no crime. Desnorteado, emocionalmente
instável, cometeu alguns exageros. Poucos meses antes daquele diálogo descobriu
que o seu discípulo havia sido executado por causa de uma dívida de drogas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Valorize as pessoas
que te amam. Parece clichê dizer isso, mas elas não vão estar aqui pra sempre.
Nem elas e nem você tem certeza de como vai ser amanhã. Não estou falando de
Deus, juízo, nada disso, mas das oportunidades que você perde de estar ao lado
das pessoas que se importam com você. Eu perdi recentemente uma pessoa que
procurei tirar desse mesmo caminho que você está – não era meu parente, mas eu
o amava. É doloroso, porque por mais que você ame essa pessoa, ela fica perdida
num labirinto, sozinha, sem conseguir enxergar a dimensão do que está
acontecendo consigo. Você fica de mãos atadas, e é obrigado a ver a pessoa se
destruindo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Nunca pensei por
esse lado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Imagino. – e com
uma pausa pequena, completou – Sua esposa pode se sentir assim. Converse com
ela um pouco, quando estiver sóbrio. Converse com sua mãe também. Elas com
certeza te amam. Mais que o Sgto. Tavares, com certeza. – e ele riu. E
lacrimejou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Pois é, cara... Preciso
parar com essa merda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Talvez você tenha
tentado parar sozinho, e por isso não conseguiu. Mas é só você ver as pessoas
que foram postas no seu caminho, que vai perceber que é uma bobeira tentar só. Você não está sozinho. Se fortaleça no amor
dessas pessoas por você, que rápido a gente se cruza por aí, com você de vida
nova. Eu, particularmente, ficaria muito feliz com isso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;"> Conversaram mais sobre isso, e sobre
tudo. Comeram juntos, sem qualquer diferença entre eles. Depois da última
mordida, se separaram. Seguiram suas vidas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;"> Ano seguinte Fernando ajudava sua
tia a atar ao teto do carro alguns equipamentos de viagem. Em meio ao trânsito
caótico da avenida oitenta e três, ouviu um diálogo alegre entre alguém do lado
de cá e outro do lado oposto da rua:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Olha só quem está
aqui! Essa bicicleta é sua?!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ É sim! Comprei
esses dias!<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;"> Ele reconheceu remotamente a voz
alegre do outro lado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">_ Voltei pra escola,
e parei de usar coisa errada, seu Conrado. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt;">Desta
vez, parecia contagiante, vibrante. Quando se virou para ver quem era,
encontrou um par de olhos claros, vívidos, tentando reconhecê-lo (Fernando
sorria e acenava). O rosto estava cheio, o cabelo bem tratado. Parecia um
parente distante voltando de viagem, contando suas novas. Quando o reconheceu,
mais ainda sorriu, imensamente agradecido. E um aceno de “muito obrigado”,
prendendo algumas poucas lágrimas. Como um suspiro de alívio.<o:p></o:p></span></div>
victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-51592944580275095072013-07-31T19:17:00.003-07:002013-12-13T21:33:39.052-08:00Uma Caixinha<div align="center" class="MsoNormal" style="text-align: center; text-indent: 36pt;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: 12pt; text-indent: 36pt;">Ela tinha
os olhos assustados: alguma coisa passou pelo seu quarto e varreu tudo do
lugar. Poderia até não parecer grande coisa (afinal, o quarto precisava mesmo
de ordem, e ela concordava), mas o medo de ter sido descoberta era enorme. Será
que mexeram em sua gaveta também? Provavelmente: quando saíra, pendia dela um
terço que estava cuidadosamente colocado na caixa de joias em cima do
criado-mudo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Já
falei pra você, Isadora! Meu quarto não é lugar pra você entrar!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Deus do
céu, amiga, como você é ingrata! Eu te faço um favor e você vem com sete pedras
na mão!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Não me
venha com essa! Você sabe que eu não gosto que mexam nas minhas coisas!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 36pt;">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">Era a vez
de Lúcia arrumar a casa, mas ela foi acometida por um turbilhão de
acontecimentos: seu irmão se casou no final de semana – o dia que elas têm pra
arrumar direito – numa chácara a cento e quarenta e cinco quilômetros de sua
residência. O casamento foi avisado no meio da semana. Felipe era o
ovelha-negra da família: seu Woodstock spirit implacável, apesar de criticado
pela família, era tolerado porque ele nunca foi capaz de prejudica-los por
causa de um vício qualquer. Como esperado de alguém de sua estirpe, uma loucura
como essa, saída do meio de uma comunidade esotérica, seria não menos que
pertinente: conheceu Lilás (sim, este é o nome dela) em uma comunidade hippie,
se apaixonou e se casou por lá. Tudo em três semanas. Convidou a família na
sexta para seu casamento, a ser realizado no sábado e domingo (o ritual “escolhido”
pelos noivos durava dois dias).<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Onde
você guardou? – dizia Lucia, nervosa.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Guardei
o quê? <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Minha
caixinha.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Aquela
que você não quer que ninguém abra? Não vi...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_
Mentira! Você sabe sim, eu sei quando você está mentindo! – enquanto Isadora
dava de ombros.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Só
arrumei o que estava no chão e nas gavetas de roupa. A caixinha eu achei que
você tivesse levado com você pra eu não mexer... – e tinha um fundo de razão
nessa frase. Por mais que as duas morassem juntas, aquilo era muito pessoal
para ela, um segredo que ela não queria que ninguém soubesse. Nem mesmo sua
melhor amiga. Por isso, sempre que saía de casa levava a caixinha, mas dessa
vez ela deixou em casa. A única vez que deixou em casa.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_
Isadora, você tem certeza que não viu essa caixinha?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Amiga,
já te disse: você anda com ela pra cima e pra baixo. Já até esqueci que você
tinha esse trem guardado. Por que me pergunta ainda?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"> Mas isso não era o suficiente. Elas
discutiram por toda noite, reviraram o quarto dela, da amiga, a sala, cozinha,
a geladeira, o armário do banheiro, tudo. Nada da caixinha. Alguém sabia o que
aquilo significava. Queria roubar seu mais precioso tesouro. Mas por quê? Não
era nada demais! Não ofendia a ninguém, e nem tinha tanto valor assim... Ela
prometeu que guardaria até que ele voltasse! E guardou! E justo agora, tão
perto da sua volta, embora não soubesse a data, ela perdeu! Sumiu! <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_
Isadora, pelo amor de Deus, me diz que você está só brincando e que sabe onde
está essa caixinha. – Seus olhos agora marejavam.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Calma, amiga.
A gente vai encontrar...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"> Isadora não entendia o porquê de
tanto desespero. O tempo passou lenta e carpidosamente. Eram quase cinco da
manhã e elas não tinham achado. E sua amiga estava desnorteada. “Não pode ser
tão sério assim” – pensava – “não havia nada demais dentro da caixa”. Mas
enfim, ela sabia que era para o bem de sua amiga.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ E
agora, amiga? Aquilo não era meu... – disse Lúcia, dessa vez aos prantos – eu prometi
que guardaria pra uma pessoa... e está perto do dia de ele vir buscar...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"> Depois de tanto sofrimento, ela não
suportou: se sentia a maior de todas as traidoras. Acreditando que estava
fazendo algo bom pela amiga, atendeu ao pedido da sua família, e revirou suas
coisas atrás daquela caixa. Assim que encontrou, entregou à sua mãe.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Amiga,
me perdoa...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Não
precisa você também começar a chorar, “manteiga”. De chorona basta eu.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Amiga,
me perdoa pelo que eu fiz...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Não me
diga que você jogou fora!??<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Não...
sua mãe sabia que você ia ficar fora um tempão e pediu pra eu pegar essa caixa
pra ela...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ O QUÊ? <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"> Ela não acreditava no que tinha
acabado de ouvir! Sua mãe? Ela tirou sua caixinha? Que relação ela tinha com
aquilo tudo? Por quê? Que sentido faz? Sem demora pulou dentro do carro, e
correu até sua mãe. Eram seis e meia da manhã, em uma hora e meia deveria estar
no trabalho, mas podia esperar. Quando chegou lá, todos se reuniam à mesa do
café da manhã.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Mãe,
devolve agora! – assim, antes do “bom dia”, do “como vão”...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Filha,
por que você está tão abatida? Que foi que aconteceu?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Para de
enrolar, mãe! Eu sei que a Isadora pegou a caixinha no meu quarto e te
entregou! Cadê ela?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Por que
essa caixa é tão importante pra você, filha? Não tem nad...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Você
sabe por que, mãe! Você leu! Só você!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Minha
filha, você tem que superar isso. Ele não está mais vivo, no fundo você sabe
disso...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"> Aquela conversa elas já tiveram.
Inúmeras vezes, de forma exaustiva. Quando tinha onze para doze anos de idade,
ela conheceu o amigo mais equilibrado de Felipe, o Gustavo. Tão instantâneo
quanto seu encontro, foi seu amor. Ele tinha medo de apanhar de Felipe (que era
uns vinte quilos mais pesado, e ao menos quinze centímetros mais alto naquela
época). Encontravam-se às escondidas em uma praça perto de sua casa. Foi
expulso por Dona Valdete uma dúzia de vezes da frente de sua casa, até que um
dia entrou para pedir a menina em namoro. Os pais viam uma inocência sem igual
no menino, o que os levou a permitir. Era bem capaz de ser apenas um amor de
colegial, e passar depois de alguns meses. Sua amizade com Felipe, inclusive,
tornava o garoto menos encrenqueiro, porque ele apascentava as brigas, colocava
um pouco de juízo na cabeça do amigo. Isso contou pontos pro rapaz...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"> O namoro durou até seus dezessete
anos (ambos tinham a mesma idade), quando Gustavo prometeu que se formaria e se
casaria com ela. Ele a entregou uma caixinha – a dita cuja –, se despediu e foi
embora. Dois anos depois, se correspondendo sempre, visitando-a sempre que
podia, ele conseguiu estagiar numa pesquisa de campo do seu curso (biologia),
para catalogar espécies de insetos da Mata Atlântica. A expedição se tornou um
pesadelo por ser período de chuva, e uma delas em particular varreu o
acampamento deles, e deixou um morto, quatro pessoas em estado grave e dois
desaparecidos. Eles nunca foram encontrados. Felipe era um deles.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Ninguém
sabe, mãe!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Minha
filha... chega... – disse dona Valdete, chorando – já se passaram quatro
anos...<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Eu sei
que ele está vivo, mãe! Eu decidi esperar por ele, e é o que vou fazer! Eu não
consigo amar outra pessoa! – agora ela que chorava. Copiosamente.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Você
ainda o ama, filha?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Nunca
deixei de amar, mãe! Você sabe disso!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Chega
dessa palhaçada. – falou Felipe,
deixando sua amada esposa, a família e a mesa do café da manhã, e indo até o
quarto.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Felipe!
– gritou o pai.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ A guria
não quer outro cara. Pronto. Para de enrolar ela! – falou, atirando a caixinha
para suas mãos. Ela, que nunca foi boa de aparar as coisas que jogavam,
deixou-a cair no chão. Tinha dentro dela uma caixinha preta e um bilhete. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 36pt;">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">Enquanto
se abaixava pra pegar, algo inesperado acontecia. Seu pai se levantou. Seu
irmão, exclamava um palavrão. Sua mãe paralisou. Ao se virar, Lúcia se
deparou com um homem de barba por fazer, olhos castanhos, cabelo curto. Ela
estremeceu completamente ao vê-lo. Seus olhos também por explodir em lágrimas
por vê-la de novo. Era Gustavo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Eu fiz
uma promessa a uma mocinha desse tamanho desta casa. Alguém a viu? – falou Gustavo.
Recebeu um tapa no rosto. Terá sido uma brincadeira de mau gosto?<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">_ Onde
você esteve esse tempo todo? – retrucou a moça, furiosa!<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">Antes que
pudesse responder, recebeu um beijo.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"> Dois meses depois se casaram. <o:p></o:p></span></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-indent: 36pt;">
<span lang="PT-BR" style="font-size: 12pt;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">Quando a
enxurrada o levou, Gustavo bateu com a cabeça. Foi encontrado a quilômetros do
local do acampamento por camponeses, desidratado, convulsionando e sem qualquer
coisa que o identificasse. Levaram-no ao hospital dizendo ser um parente que
inventaram. Ele recebeu ali os devidos cuidados, passou três semanas se recuperando. Fora
a amnésia, todo o resto estava bem. Ele se lembrava de duas coisas: seu
primeiro nome, e o da sua noiva. Demorou quatro anos para que toda a história
finalmente voltasse à tona. Ele entregou para sua noiva um par de alianças de
ouro, e prometeu que voltaria para sua cidade para que se casassem. Dentro da
caixinha, seus votos: “Guardei pra você todo meu amor. Se guardar o seu também,
prometo que volto pra você, de onde quer que esteja, pra sempre”...</span><span style="font-family: Cambria, serif;"><o:p></o:p></span></span></div>
victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-34762542392889960992012-07-24T15:01:00.002-07:002012-07-24T15:01:08.410-07:00Pensando "se"...E se eu não for interessante como parecia?<br />
Se não gostar das mesmas coisas que você?<br />
Se não fizer o que achava que faria?<br />
Ainda vai gostar de mim?<br />
<br />
E se o caminho for um pouco mais escuro?<br />
Se os dois tiverem medo do futuro?<br />
Se a vida for injusta com a gente?<br />
Ainda vai lutar por mim?<br />
<br />
E se eu me importasse com a fome do mundo?<br />
Se o tempo voltasse um minuto?<br />
Se fôssemos eternos como o tempo?<br />
Ainda ia ter tempo pra mim?<br />
<br />
E se disser: "Verdade, te amo"?<br />
E se nunca chegar a dizer?<br />
Se o que quero dizer me fugir?<br />
Ainda vai gostar de mim?<br />
<br />
E pensar que uma vida inteira depende de um "se"...victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-8187294143351789142011-11-03T09:39:00.000-07:002017-07-28T11:22:48.744-07:00Reviramundo<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> Sobraram alguns móveis na sala, implorando para que o dono não os esquecesse. Em vão: teriam apenas que aguardar o sol dar seus primeiros sinais de espreguiçar para sumirem dali para um novo lar, novos donos, novos livros. Júlio se cansara de tentar justificar sua vida. Resolveu mudar de cidade. Encontrou um bom apartamento no centro da cidade grande, um novo emprego bastante promissor e começou seu novo curso de idiomas. Todos os olhares na cidade pareciam estressados pela paisagem cinza que os contaminava. Os edifícios se impondo orgulhosamente, subjugando os pobres humanos sob suas sombras, os transportes públicos correndo de um lado para o outro, mal humorados, não conseguiam permanecer vazios por menos de cinco segundos: assim que uma leva era deixada em um ponto, outra entrava a girar-lhes as catracas. Tudo aquilo parecia uma poesia fascinante para ele, que se aventurava pela primeira vez fora de seu mundinho.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> Depois de seis anos namorando com Simone, Júlio, de vinte e dois anos de idade, percebeu duas coisas no relacionamento que o acertaram em cheio: primeiro, que sua namorada era uma mosca morta. Não que isso propriamente dito seja um problema, mas porque não havia possibilidade alguma de ele realizar seus sonhos tendo uma esposa assim ao seu lado. Simone não tinha nenhuma expectativa para o futuro além de morar no subúrbio e trabalhar como caixa de um supermercado do bairro. Reclamava do salário, da família, da comida, do final do filme, e isso o levou ao fato número dois: o amor entre eles acabou de uma vez por todas. Pensou algumas vezes antes disso em propor casamento a Simone, porém voltou atrás várias vezes nessa decisão. Ele sempre ouvia de sua mãe que não daria certo, que ela é muito bonita, simpática, mas que não seria uma boa esposa. Isso foi o motivo principal de ele não ter levado o plano do casamento em frente: mesmo a contragosto, concordava com ela.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> Simone não gosta de mudanças, e se incomoda quando alguém a propõe qualquer que seja. Quando seu patrão mudou o caixa para um mais moderno, ela quase foi demitida porque se recusava aprender a lidar com o leitor de código de barras. Segundo a própria, "levou um mês para se acostumar com a novidade". Quando mudou de casa, dizia a sogra de Júlio, ela chorava e esperneava para entrar no carro. Não queria deixar os adesivos de estrelinhas do seu quarto, e achava que do topo dos seus quatorze anos, seria justificável fazer esse escândalo. Ficou bicuda, trancada em seu novo e odiado quarto, sem falar com os seus pais por algumas boas semanas. Se Júlio tivesse que saltar rumo ao desconhecido, como seu espírito freqüentemente o exigia, Simone não o poderia acompanhar, e se o seguisse, teria que lidar com o seu mau humor contínuo. Pensando claramente nisso agora, ele sentia um certo alívio de ter percebido isso em tempo de recomeçar.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> O celular tocava de novo: era ela outra vez. Aquilo o fazia pensar em quanto tempo possuía o mesmo número. Quando o celular se cansou de tocar, ele retirou o chip e jogou pela janela do sexto andar. Sabia de cor os telefones mais importantes: o de casa e os de seus melhores amigos. Atravessou a rua, comprou outro chip, e ligou por ordem de importância para as pessoas que precisavam saber seu novo número.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> Passou três semanas inteiras desembrulhando objetos, organizando nas prateleiras, mudando os móveis de lugar. Acordava de madrugada para chegar ao trabalho pelo menos trinta minutos mais cedo, e chegava às sete em casa, quando começava a maratona até quase dez da noite. Cansado, preparava um lanche rápido, tomava um banho, escovava os dentes e se afundava em seu colchão. Essa rotina o escravizou por um tempo, mas logo fez amizades dentro do escritório, programou futebol com os rapazes, cinema com as garotas, e sua vida começou a andar em uma nova rotina, por pelo menos dois meses.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> A novidade dessa vida de sucessos que o preenchia não era tão interessante quando ele estava sozinho em seu apartamento. Numa noite de terça-feira, quando todos queriam somente dormir para estarem inteiros no dia seguinte, e não teve futebol, cinema, balada, nada, Júlio resolveu assistir um DVD na TV recém comprada. O filme era romântico, pra ser mais exato o primeiro filme que ele assistiu no cinema com Simone. Enquanto o filme desenvolvia sua trama, ele se lembrava de como ela reclamava da cor do vestido da atriz, dos comentários sobre a trama do filme, e de como nada do que ela dizia parecia ser romântico. Até que o final do filme trouxe a sua memória as últimas palavras de Simone sobre ele:</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ É incrível como o amor cura os defeitos...</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ E defeito por acaso é doença? - disse ele, ainda sob o clima de humor ácido que permeou por todo o filme.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Não foi isso que eu quis dizer. Em dois meses eu fiz com você coisas que nunca-de-jeito-nenhum faria em minha vida.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Por exemplo?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Comida japonesa. Eu nunca tinha comido. E nem queria saber. Pra mim era nojento comer coisa crua, mas você conseguiu me fazer provar. E gostei, tanto que vez ou outra a gente volta lá naquele sushi bar da sua rua.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Grande evolução.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Pára com isso, seu bobo. Outra que mudou: minhas roupas... - Júlio ria com a notícia. - Sério: quando minha mãe soube que eu estava namorando, jogou todas as minhas roupas fora, e me convocou às compras. Você nem notou, né?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Claro que eu notei. Tinha um macacão que você vestia pelo menos uma vez na semana (então foi assim que ele sumiu?). Ele tinha um rasgado perto do braço...</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Tá bom, já entendi que você é observador.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Ainda bem que ele sumiu. - levou um soquinho no ombro. - Gosto muito de você assim, sabia? </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ E essa é a motivação que eu tenho para mudar. De repente nem é tão ruim assim. </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Talvez esse seu desconforto com mudanças seja insegurança.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Coisa que com você não existe, porque você me deixa totalmente segura de tudo. Acho que ser amada por você meio que me curou dessa insegurança.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Será que não é cedo demais pra chamar isso de amor?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Talvez... Mas isso não exclui o bem que você me faz.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> No filme, a mãe entrega para sua filha a última carta que seu falecido marido deixou. Ele tinha descoberto que estava com um tumor no cérebro, e resolveu ajudar sua esposa a superar a vida sem ele, escrevendo cartas que chegavam de maneiras inusitadas até ela. No fim de cada carta, uma declaração: "ps.: eu te amo". </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> É verdade que ele cansou de se justificar, mas definitivamente não conseguiu parar de pensar em Simone a noite inteira, e em como ela se entregava às aventuras que eles faziam no começo do namoro. Ele não era culpado de nada, afinal! Ninguém entende por completo das coisas do coração, então por que deveria se sentir assim? "Cada um é responsável por si"- justificava-se, mas o coração retrucava, teimoso: "Ela iria onde eu fosse, por isso se ela se acomodou foi porque eu me acomodei." </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> Não conseguia mais evitar a dor nostálgica que a solidão daquele apartamento incidia sobre ele: o amor não morreu como pensava. Apenas se acomodou. Esperava que alguém tirasse-lhe a poeira e voltasse a recitar seus versos. O amor enfim só tem vida quando alguém o usa. Como um livro na estante.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> Talvez Simone só precisasse de alguém que a impulsionasse. Lembrava agora do quanto seus olhos brilhavam, mesmo nervosa, quando ele a convidava a fazer algo totalmente diferente. Via agora claramente, mesmo que parecendo tarde, que os defeitos não eram tão gritantes assim, e que poderiam ser felizes juntos, preenchendo os defeitos um do outro.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Mãe...</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Quem é?... - respondeu uma voz sonolenta.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Sou eu, mãe.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Que foi, Júlio? Aconteceu alguma coisa?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Não é nada demais, mãe. Só preciso conversar com você.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Espera um pouco, que eu vou descer lá pra sala.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">Ela desceu com cuidado o lance de escadas, pois sua idade não era tão avançada assim mas somado à escuridão poderia ser perigoso ter pressa.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Pronto. Pode falar, meu filho.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Mãe, eu não consigo esquecer a Simone.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Quê?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ É isso, mãe. Não consigo. Passei dois meses tentando, mas...</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Você me ligou pra dizer que não se esquece da Simone?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Desculpa, mãe, mas eu preciso de um conselho. Eu sei que da última vez que conversamos a senhora me disse que não daria certo se me casasse com ela, porque ela vive impondo limites pra mudanças...</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Sim...</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Mas eu não consigo esquecer ela, mãe.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Entendi. - e a mãe deu um longo suspiro. - Você quer voltar com ela.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Não sei... Talvez seja só mais uma noite daquelas...</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Filho, sua mãe não pode escolher com quem você vai se casar. - </span><span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">Aquela resposta era mais que o suficiente: a decisão era única e exclusivamente dele. Ligaria o começo do dia para Simone.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Então você apoiaria se eu me decidisse por pedir a Simone em casamento?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Aquele dia eu fiquei em choque, filho. Fui pega de surpresa. Não queria perder meu bebê. Achei que estava te protegendo de uma vida de brigas sem fim, como fomos seu pai e eu. Quando você falou em se mudar para Florianópolis, eu percebi do que realmente tinha medo: perder você. Mas um dia você teria que viver por si...</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Mas você não vai me perder, mãe. Eu sou seu filho.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Desculpa, filho. Agora não podemos voltar atrás. O que está feito, está feito. Me perdoa por não ter percebido antes.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Não precisa se desculpar, mãe. Eu te entendo. Promete que não vai mais se martirizar por isso.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Prometo... - disse ela, com voz trêmula.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Então está decidido: amanhã vou ligar para ela. Se ainda houver alguma possibilidade de nos reconciliarmos, volto para oficializar o pedido.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Ela não está aqui, filho.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Quê?</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;">_ Ela e os pais se mudaram para a França. Não deixaram contato nenhum. Foi há pouco mais de um mês, pouco depois de você partir.</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace;"> Então era isso: uma boa oportunidade de ser feliz tinha oficialmente se jogado pela janela. Antes de desligar o telefone, fez a mãe repetir o juramento. Chorou como um garoto pelo resto da noite, e de outras seguintes, por algumas semanas. Enfim, todos somos vítimas do medo de mudar, direta ou indiretamente. Principalmente porque temos medo de nos arrependermos das mudanças que vierem. Seu medo era que alguém em sua vida fosse como uma âncora, impedindo-o de conhecer águas mais profundas. Achou que fosse sua ex-namorada, e depois, por um momento, quis colocar a culpa em sua mãe. Mas sabia que, inegavelmente, o único responsável pelo que houve era ele próprio e o seu medo: das mudanças que o casamento traria para sua vida."O futuro é uma caixa de pandora que somos obrigados a abrir", pensava ele. Fingia não se arrepender, e agora mais do que nunca, via que era impossível não inventar desculpas. Repetia para si mesmo seus motivos: agora era profissionalmente bem sucedido, cheio de novos amigos, em uma cidade excelente e estava focado em seu futuro. Desconsolado. E agora sozinho.</span>victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-91948301102160897682011-10-20T11:59:00.000-07:002011-10-20T12:00:02.841-07:00A Incrível Máquina de Caçar E.T's<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Menino do céu! O que você está fazendo com a caixa de ferramentas do seu pai?</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Espera só um pouquinho, mãe. Eu já vou guardar.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Guarda isso agora!</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Tá bom, mãe... - falou o menino, escondendo um alicate e uma chave de fenda junto à engenhoca.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"> Francine não sabia mais o que fazer: seu filho simplesmente não escolhia brincadeiras como as de outros meninos de sua idade, como futebol, video game. Vivia no mundo da lua, onde ajuntava todos os seres fantásticos de que ouvia falar. Certa feita, ao entrar em seu quarto, a empregada foi banhada pela "poção caça-fantasmas" que ele fez. Ela ia justamente exigir uma explicação dele sobre o que quer que fosse que ele tinha batido no liquidificador, cujo fedor não saía do aparelho. Na lista, "descoberta pelo irmão mais velho dentro de uma garrafa enterrada por um pirata", estavam itens como: olhos de sapo-boi, pernas de aranha, ovo cru, água de chuva, e uma porção de "ervas místicas". Francine arrancou um galho de goiabeira no quintal para aplicar-lhe uma bela surra, mas antes disso tinha a clássica conversa:</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Por que você fez isso com a Marlete, Marco Túlio?</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Eu avisei pra ela não entrar no quarto, mãe.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não foi isso que eu te perguntei.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Eu só queria prender um fantasma na garrafa de nêutrons que eu fiz. Eu avisei pra ela que tinha uma poção em cima da porta, não era pra ela entrar.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Quem te disse que essa poção serve para prender fantasmas? - Ele atravessou o quarto, pegou o "pergaminho do pirata" e mostrou para sua mãe. Interessante como a letra do pirata parece a do Rafael... Deus do céu, como se não bastasse ter um filho que acredita em tudo que contam pra ele, agora tem um outro, metido a contador de histórias. Pelo menos agora ela já sabe em quem vai usar a vara de goiabeira.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Marco Túlio, escuta o que a mamãe vai falar: não existem fantasmas.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Mas o Marcelo viu um no quarto dele...</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ E quanto a você? Já viu algum?</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não - respondeu o garoto, com uma visível frustração.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Você fez isso porque está com medo de fantasmas? - "Se quiser pode dormir com a mamãe e o papai", pensou ela.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não. Eu só quero ver um de verdade. - respondeu ele. A frase foi vista com certo mau agouro pela mãe.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"> Desta vez o projeto do garoto era mais audacioso. Inspirado no filme E.T, o garoto resolveu inventar uma máquina que pudesse se comunicar com os E.T's através de um feixe de laser. Marco Túlio acreditava que existiam E.T's bons e E.T's maus, assim como em Startreck. O aparelho seria capaz de identificar naves amigas e inimigas, e eliminar os maus invasores. Estava quase pronta, faltava somente a eletricidade. Ele tinha providenciado tudo: conseguiu um rolo de barbante das coisas de sua mãe, embebeu em uma mistura de sal, limão e água (ele ouviu que sal e limão na água ajudam a conduzir eletricidade) e esperou secar.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"> Do pé de manga até a rede elétrica de sua casa era fácil arremessar. Esperaria até o final de tarde, porque sabia que a empregada - que sempre estraga tudo - poderia descobrir sua armadilha para E.T's e "varrer" sua máquina para o lixo. Além do mais, segundo Marco Túlio, quando uma arma de laser dispara um feixe, gasta muita energia, e pode causar blecautes. O impacto seria muito menor se acontecesse à noite. Por isso, esperou até o final da tarde, quando o sol já se punha, para lançar o barbante sobre os fios. Fez o fio de barbante correr por todo o quintal, em quatro ou cinco lugares diferentes, passando pelas árvores. Quando arremessou o barbante, viu que ele encostava apenas em um dos fios.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Desse jeito não vai ligar. Precisa encostar em dois. - e lançou novamente o rolo por sobre os fios. Satisfeito, julgando estar com a máquina em funcionamento, foi tomar banho e dormir, conforme os gritos de sua mãe determinavam.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"> A madrugada foi curta naquela noite, exceto para Marco Túlio, que vez ou outra olhava pela janela, para garantir que estava tudo certo. Por volta das quatro da madrugada, quando ele dormia um sono pesado, toda a casa acordou com um estrondo no quintal. Seu pai, Gilberto, levantou com o celular em mãos, chamando o número da polícia. Sua mãe, buscava qualquer cabo de vassoura com que pudesse acertar o que quer que fosse lá no quintal. Faltava energia, e via-se o faiscar da fiação elétrica do lado de fora. </span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Meu E.T! Peguei! - exclamou o menino.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Marco Túlio! Vem pra cá! - gritou a mãe, louca de desespero.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ É o meu E.T, mãe, Consegui pegar um.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Que E.T, menino? Essas coisas não existem.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Existem sim. Acabei de pegar.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">Da janela, a mãe percebia alguma coisa se movimentando no quintal. Quando a criatura se voltou para eles, ela viu claramente um rosto com olhos enormes, boca muito pequena, e que andava de um jeito esquisito.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Meu Deus, Gilberto! É um E.T mesmo!</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Deixa de ser boba, mulher. Claro que não é um E.T.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Então vai lá pra saber o que é.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não vai precisar. A polícia está a caminho.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">O ser estava mancando, como se sua perna estivesse quebrada. Grunhia o tempo todo. Ficou acuado embaixo da mangueira.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ O que é aquela coisa ali? - perguntou Gilberto, apontando a lanterna para a engenhoca de Marco Túlio.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ É a minha máquina de caçar E.T's. Ela disparou um raio laser no E.T e paralisou ele.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ De onde você tira essas coisas? - perguntou Rafael.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ De lugar nenhum... Eu mesmo crio.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">A criatura gemia como um ser humano.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Calma que a gente já chamou a ambulância! Mexe não que é pra não machucar mais! - falou Francine. O E.T resmungou, como se estivesse insatisfeito com a algeação.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Fica quieto, seu "Coisa"!</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Sua perna está quebrada. Dá pra ver daqui. Mexer vai ser pior pra você. - disse Gilberto. Isso convenceu a criatura.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"> Dez minutos depois da confusão a polícia chegou. Os faróis deles focaram-se todos na criatura misteriosa aos pés da mangueira. Percebendo que era a polícia, a criatura começou a se agitar:</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não,senhor. Não precisa vir aqui não, Senhor.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Põe as mãos sobre a cabeça, E.T. - disse um deles, e foi prontamente atendido. Os policiais chegaram bem perto dele, o revistaram, tomando uma arma de brinquedo, e retiraram a máscara que o meliante usava sobre o rosto.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"> Marco Túlio ficou frustrado com o que viu: quer dizer que não era um E.T de verdade?</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Esse rapaz vem praticando vários furtos à residências durante a noite. - disse o policial aos seus pais - Ele é conhecido como E.T justamente por usar esta máscara aqui. Pelo que ele estava contando para os para-médicos, quando tentou saltar o muro da sua residência, ele tropeçou num fio de barbante que passava sobre o muro, e bateu com a perna em cima do invento do seu filho. Como o barbante passava pela fiação, a queda dele fez o barbante esticar e juntar os dios fios, e isso gerou o blecaute.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Foi você que fez uma máquina de caçar E.T's? - pergunto o outro policial ao garoto.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Fui eu.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Parabéns: ela funciona. Este E.T pelo menos não incomoda a mais ninguém.</span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"> Foi frustrante para o garoto ver que a máquina fora destruída de maneira tão inusitada. Mas não tinha problema algum, porque na manhã seguinte ele usaria as cadeiras velhas que a mãe ajuntou no fundo do quintal e o balanço debaixo da mangueira para fazer uma outra engenhoca: um elevador para subir em árvores.</span>victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-39169989045488060472011-10-08T07:28:00.000-07:002015-05-16T18:28:46.791-07:00Icarus<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Um general sem exército</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Um funeral sem lamento</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Uma canção sem sentimento</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Pode se comparar</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A viver sem conquistar</span><br />
<br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Em um homem há vários mundos</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Com colinas e altiplanos</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Tantos rios regando os campos,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Mais de vinte estações por ano,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Tantos povos e dialetos</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">E países a governar,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">E estados a se formar,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Tantos frutos para colher,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Importar e exportar,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Tantos outros e tanto mais</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Em tão breve e simples vida</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Esperando pelas trilhas</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Dos primeiros bandeirantes.</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A que se pode comparar?</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">É inútil viver sem compartilhar.</span><br />
<br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Em um homem há mil estórias</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Reais e imaginárias,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">E sistemáticas, e arbitrárias,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">E democráticas, e tiranas,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">E românticas, e levianas,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Absolutamente insanas,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Absolutamente falíveis,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Bem ou mal escritas,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Cruzando tantas outras,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Plagiando milhares de contos,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Criando dezenas de vidas,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">De inventos, de notícias.</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Uma fonte de idéias tão raras,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Tão peculiares a se explorar</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Com seus livros empoeirados a esperar</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Um único leitor a quem possa interessar.</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A que posso comparar?</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">É inútil um legado sem alguém para o herdar.</span><br />
<br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Um homem vive como um imortal,</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">E voa com asas de cera</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Até que, com o beijo quente do sol</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">Suas asas se derretem no final.</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">A que se pode comparar?</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace;">É inútil voar sem alguém para quem retornar.</span>victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-17304153597478481102011-09-20T12:26:00.000-07:002011-09-20T12:26:13.083-07:00Diário de uma Estabanada<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';"></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: 'Courier New';">LADO A</span></b><span style="font-family: 'Courier New';"> – Toda a minha vida eu fui estabanada. Sério: tudo começa ou termina em um acidente. Até o meu nascimento foi um acidente. É a Lei de Murphy: se alguma coisa tem a possibilidade de dar errado, é certeza que vai dar errado. Todos os cantos de parede achavam minha unha encravada, assim como todos os vasos e objetos frágeis da minha casa tinham que cair quando eu estava passando, pra euzinha aqui levar a culpa. Acho que a sorte é minha inimiga de nascença. Impressionante como eu sou sempre a última pessoa a encontrar dinheiro no chão, por exemplo. Uma vez eu achei um celular, mas não consegui usar ele porque pedia o código PIN.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Para terem uma idéia do quanto a sorte é minha inimiga, conheci no colegial uma pessoa que nunca mais me deixou em paz desde que o conheci. Eu estava atrasada para a prova de geografia, que ia ser aplicada na primeira aula, e um cartaz da aula de física que eu passei a madrugada fazendo. Quando dobrei à direita o bendito topou comigo. Ele era muito bonito, mas acho que por isso mesmo ele se achava.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Que droga, menino! Amassou o meu cartaz todo!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Te perdôo, totalmente. Eu também entendo que foi um acidente.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Convencido! – e minhas amigas, espiando da janela, riam compulsivamente – Se você olhasse por onde anda isso não teria acontecido!- e notei que seu nariz sangrava - Era o que me faltava: seu nariz tá sangrando...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Acho que foi o livro de física. Tudo bem, tá tranqüilo...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Me devolve ele ... E pára de sangrar, por favor, que eu sou fr... e resmunguei o resto, porque minhas vistas já estavam totalmente embaçadas, e não me lembro de mais nada. Disseram que eu falei uns nomes bem feios pra ele e desmaiei. O fato é que quando acordei estava na enfermaria e ficaria até um pouco mais tarde porque precisava fazer a prova de geografia na última aula (eu ia sair na penúltima, que ódio). Mas acordei a tempo de apresentar o trabalho de física. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Desculpa por ter topado com você daquele jeito – Falou ele.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Tudo bem. Da próxima vez você toma um pouco mais de cuidado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">Aquilo foi o suficiente para faze-lo ficar calado por um tempo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ É sério, foi sem querer.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Tudo bem, eu entendo. Desculpa por ter te xingado antes de desmaiar. É que eu sou fraca com sangue, a minha primeira reação é essa mesmo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Tudo bem. Eu vi que você não estava normal.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">Após uma pausa, ele emendou:</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Assina o meu band-aid?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_Quê?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Assina o meu band-aid... Quando eu não precisar mais dele, eu vou guardar, pra lembrar do nosso primeiro encontro...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O que ele queria dizer com “primeiro”? Será que ele acha mesmo que eu vou sair com ele? Nossa, como ele é convencido. Lindo também: olhos castanhos claro, cabelinho cacheado, forte, alto, barba por fazer porque ele também tinha acordado atrasado... Talvez se o tivesse encontrado em outra ocasião a gente poderia ter uma chance, mas fala sério; que tipo de romance começa com um esbarrão?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Não. Se quiser pode guardar o band-aid. Fica a seu critério, mas eu não preciso assinar nada.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Tudo bem...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Desde então o garoto fica um grude em mim, mas quanto mais ele se aproxima, de mim, mais insuportável ele fica. E não entendo o porquê de ele ainda insistir, porque ele também não me suporta. A gente sempre discutia porque ele era muito certinho, e eu sou super desorganizada; minha amiga, que conhece ele um pouco mais me diz que ele fala de umas coisas que nunca na minha vida me interessaram; curte músicas totalmente diferentes das minhas; eu gosto de comida japonesa, e ele não. A Taciane vive me enchendo o saco, dizendo que eu gosto dele. Não sei de onde ela tirou uma idéia dessas. Ela me falou também que ele reluta com isso, mas que também está caidinho por mim, por isso vive me procurando pra brigar. Ela era a única que tinha essa teoria, porque todo o resto da escola via o quanto nós dois somos incompatíveis. Pra se ter uma idéia, quando ele se aproxima de mim, as palmas de minhas mãos começam a suar, meu coração acelera, me dá vontade de gritar com ele, bater, qualquer coisa pra manter ele longe de mim. Ele definitivamente não me serve. Pra dizer a verdade, nunca dei muita sorte no amor.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No dia do meu vestibular, acordei caindo da cama, porque estendi a mão para desligar o despertador, mas ele estava muito longe. Peguei o ônibus errado, e assim que percebi, parei no ponto seguinte e voltei. Quando peguei o ônibus que achei que era o certo, descobri que o primeiro que eu tinha pegado ia parar onde eu queria chegar. Resultado: não fiz a prova. Minha mãe não ia me pagar um cursinho pré-vestibular, então me matriculei em um curso técnico, e passei a trabalhar no RH de uma distribuidora. <span style="mso-tab-count: 1;"></span>O que sempre quis foi publicidade e propaganda, mas como boa estabanada que sou consegui estragar a chance da minha vida. Vivo para trabalhar, porque não tenho amigos com quem sair. As minhas amigas de colégio me encontram de vez em quando e perguntam o que eu faço da vida. Finjo que faço o que eu sempre quis na vida, para contar alguma vantagem, mas o fato é que a vida não privilegia pessoas estabanadas como eu. Estou fadada a viver sozinha e cheia de hematomas. É aquilo que falei: se uma coisa tem a possibilidade de dar errado, perca as esperanças, porque ela vai dar errado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><br />
</div><span style="font-family: 'Courier New';"><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><span style="font-family: 'Courier New';">LADO B</span></b><span style="font-family: 'Courier New';"> - Toda minha vida eu fui estabanada. Sério: tudo termina ou começa em um acidente. Quando criança eu vivia dolorida por causa do meu talento para quebrar, tropeçar, derrubar, trombar <personname productid="em coisas. Isso" w:st="on">em coisas. Isso</personname> significa que eu deveria ser uma azarada de primeira, mas sabe de uma? Acho que a sorte é uma sujeita tão estabanada quanto eu, porque ela vive tropeçando <personname productid="em mim. Perdi" w:st="on">em mim. Perdi</personname> as contas de quantas vezes eu dei de cara no chão exatamente onde tinha uma nota de dez reais, ou quase perdi a canela em um banco de praça com um celular de última linha (devolvi todos. Até me recompensaram com dez ou vinte reais).</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Como uma boa e eficiente estabanada, a danada da sorte topou comigo no primeiro ano do colegial. Pra variar, eu estava atrasada pra aula – a primeira era de geografia e tinha prova -, estava com uma pilha de livros, um cartaz da aula de física que a gente ia apresentar na segunda aula e que eu fiquei até de madrugada fazendo. Sem muito tempo pra me preocupar com o trajeto, fiz uma curva fechada à direita, e como tinha que ser, encontrei um obstáculo – lindo por sinal, olhos castanhos claro, cabelinho cacheado, forte, alto, barba por fazer porque ele também tinha acordado atrasado - que me lançou todos os livros no chão, amassou meu cartaz da aula de física e teve a deselegância de sangrar na minha frente (eu sou fraca com sangue).</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Que droga, menino! Amassou o meu cartaz todo!</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Tá desculpada. Eu também entendo que foi um acidente.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Convencido! – e minhas amigas, espiando da janela, riam compulsivamente – Se você olhasse por onde anda isso não teria acontecido! Meu Deus, seu nariz tá sangrando...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Acho que foi o livro de física. Tudo bem, tá tranqüilo...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Ai, moço, desculpa... Pára de sangrar, por favor, que eu sou fr... – resmunguei o resto, porque minhas vistas já estavam totalmente embaçadas, e não me lembro de mais nada. Disseram que eu falei uns nomes bem feios pro coitado e desmaiei. O fato é que quando acordei estava na enfermaria e ficaria até um pouco mais tarde porque precisava fazer a prova de geografia na última aula (eu ia sair na penúltima, que ódio). Mas acordei a tempo de apresentar o trabalho de física. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Desculpa por ter topado com você daquele jeito.- falou ele.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Não precisa se desculpar. Eu só falei aquilo porque eu estava com muita raiva. Passou... – e ele sorriu pra mim. Nem o band-aid colorido no nariz dele conseguia estragar aquele sorriso. Acho que era uma daquelas paixonites de adolescente, mas eu ri de volta, um pouco corada.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Assina seu nome no meu band-aid?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Não vai doer não?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Só se você assinar dentro do meu olho.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Engraçadinho...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Não, não quis dizer isso. É porque eu vou guardar o band-aid quando não precisar mais... Pra me lembrar do nosso encontro.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">Encontro? Ele disse ENCONTRO? Novamente os sintomas daquela paixonite apareciam, agora em todo o meu rosto branquelo e na palma das minhas mãos.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Posso assinar no seu band-aid também?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Pode. – respondi, gaguejando e quase sem voz de tão desconcertada que ele me deixou. Doeu um pouquinho, mas e daí? Ele se aproximou bastante –pra mostrar que era cheiroso, só pode – e assinou. Depois, foi a minha vez. Já que estava mesmo rolando um clima, peguei de leve no queixo dele, como se fosse dar um beijo, e fiquei a mais ou menos meio palmo dele. Saiu um pouquinho torto porque ele ficava me olhando nos olhos.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Que foi? – falei por impulso.”Aff, menina tonta estabanada! ‘Que foi’? Ele quer te beijar, só isso tudo”...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">_ Seu band-aid é da turma da mônica. – disse, rindo. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Na semana seguinte o Maurício e eu estávamos saindo. Nem vou dizer que eu derramei refrigerante no meu vestido quando a gente foi na sanduicheria do lado da escola, o nosso primeiro encontro. Eu é que dei o primeiro beijo. Ele falava de assuntos que nunca me interessaram antes dele aparecer. Gostava de músicas bem diferentes das minhas, sempre tinha as respostas certas na hora certa. Parecia ser muito maduro para a idade dele. Com alguns meses de namoro, às vezes me irritava quando ele me corrigia, assim como eu irritava um pouquinho quando ele chegava pra gente ir ao cinema e eu ainda não estava pronta, ou quando mudava de idéia no meio do caminho e resolvia comer comida japonesa ao invés de sorvete. As coisas que são totalmente opostas na gente são as que eu admirava mais nele, e vice-versa. Eu falo demais, e ele fala somente o necessário; eu me visto com cores quentes, vibrantes, e ele tem dificuldade de curtir uma bermuda e havaianas na época do calor; fala como um erudito, e eu falo como uma cheerleader. Gosta de cinema, e eu gosto de clube; pensou primeiro em um apartamento, e eu não penso no que vem primeiro: eu compro primeiro e penso depois. Um caso bem “Eduardo e Mônica”.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: 'Courier New';"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No dia do meu vestibular, acordei caindo da cama, porque estendi a mão para desligar o despertador, mas ele estava muito longe. O Maurício me ligou pra ter certeza que eu não chegaria atrasada. Até me ofereceu um táxi, mas eu sei me virar, e respondi que não precisava. Peguei o ônibus errado, mas descobri que era o certo porque duas garotas que eu conheci no ônibus estavam indo fazer a mesma prova. Eu esqueci de levar caneta esferográfica, mas a Júlia me emprestou uma extra que ela tinha. A Renata queria fazer a mesma coisa que eu: publicidade e propaganda. Foi assim que descobri minhas melhores amigas. Hoje trabalhamos juntas: a Júlia é a contadora da firma de publicidade que eu e a Renata montamos. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: 'Courier New';">O Maurício hoje é advogado. Melhorei bastante depois que casamos. Por exemplo: não perco mais o celular como antes, e sempre sei onde estão minhas chaves - se eu me esquecer, o Maurício coloca em cima da penteadeira, no lugar que decidimos que seria do celular e das chaves. Estou mais organizada, mais cautelosa, aprendi a evitar alguns acidentes domésticos que eram bem clássicos com a minha pessoa. Enfim, acho que estou me reabilitando da vida de estabanada. Mês que vem a família vai aumentar. Torço para que ela não seja estabanada como a mãe, mas se isso acontecer, vou lembrá-la de que a dona sorte também dá suas trombadas de vez em quando.</span></div></span>victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-31590318792461617392011-08-08T19:19:00.000-07:002011-08-08T19:21:52.238-07:00Caixa de Mensagem<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;"> Onze minutos de espera desta vez, e um caderno cheio de protocolos. Uma música instrumental se repetindo, vez ou outra interrompida por frases como: “Aguarde, pois sua ligação é muito importante para nós”. Regina tinha muitos motivos para desistir, mas desta vez havia muita coisa <personname productid="em jogo. Tentou" w:st="on">em jogo. Tentou</personname> várias táticas para que os atendentes não a desligassem, mas foi <personname productid="em vão. O" w:st="on">em vão. O</personname> melhor resultado que havia conseguido era aquele: passava pela décima quarta vez pelo atendimento eletrônico, e já tinha perdido as contas de quantas pessoas a ouviram, em todos os estados emocionais do seu vasto repertório. Seu marido tentou conseguir atendimento na ligação passada. Ele é mais paciente que ela, mas desta vez não conseguiu manter um nível de conversa coerente.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Silmara, boa tarde. Com quem eu falo? – ouviu Regina. Uma voz evidentemente estressada, mas ainda assim, parecia que alguma simpatia havia sobrevivido até aquele “boa tarde”.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Silvana?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Silmara.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Meu nome é Regina, Silmara. Regina! E você deve ser a centésima pessoa a me atender só nesta ligação. Sabe quantas horas eu estou tentando receber atendimento? Três horas e meia! Já até decorei a melodia da musiquinha irritante do atendimento eletrônico.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Em que posso te ajudar, Regina?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não sei mais se você pode, Silmara, mas vou tentar outra vez.- ela já perdera a paciência, as esperanças, o juízo. Se não fosse tão importante já teria desistido e reclamado na Anatel. – O que eu quero é somente recuperar a senha da minha caixa de mensagem. Nada mais. Parece que ninguém aí sabe, porque todo mundo dá um jeito de se livrar de mim. O que foi que eu fiz pra vocês? Eu só quero que alguém me ajude.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Eu estou te ajudando agora, Regina. – disse Silmara, enfatizando o “eu”. - Nós vamos recuperar a senha da caixa de mensagem. Pode por gentileza me confirmar...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ De novo? Já confirmei umas mil vezes os meus dados. Você tem tudo aí, por que eu ainda tenho que confirmar?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Por segurança do titular da linha, nós sempre confirmamos esses dados antes de efetuar qualquer registro.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Confirmou os dados e emendou:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Agora por favor, não me transfere para lugar nenhum, moça.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ De forma alguma. Eu sou a responsável por este atendimento. Aguarde só um momento enquanto faço algumas verificações, tudo bem?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Tudo. – e ela não ouviu nada do outro lado. As centenas de vozes e teclados da central de atendimento sumiram.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Silmara estava naquele momento falando com o seu supervisor:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Olha pra isso! Só agora ela foi transferida treze vezes. Comigo quatorze.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Anote os ramais e me passe depois. Vou cuidar pra que cada um desses malas tenham o que merecem.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Alô! – gritou Regina, do outro lado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Estou aqui, Regina.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Ufa! Achei que você tinha me desligado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não, pode confiar <personname productid="em mim. Eu" w:st="on">em mim. Eu</personname> digo e repito que este atendimento é responsabilidade minha agora. Não vamos encerrar a ligação enquanto não recuperarmos a senha da sua caixa de mensagem, tudo bem? – “Graças a Deus”, pensava Regina, “alguém que me entende”. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ É porque eu não estava ouvindo nada, então achei que você tivesse me desligado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Eu tive que colocar a ligação no mudo para reportar algumas informações do atendimento para o meu supervisor, mas não vou mais fazer isso. Qualquer dúvida, pode me chamar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Tá.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Silmara checou os procedimentos internos, e após alguns minutos retornou:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Regina, obrigada por aguardar. Eu tive que fazer o reset da senha de sua secretária virtual, que retornou para a senha inicial. Por gentileza, pode anotar o procedimento que eu vou te falar?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Espera um pouco. – e ela correu para pegar outra vez o caderno.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Pode falar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ A senha inicial é um, dois, três, quatro, mas o atendimento eletrônico não vai permitir que você acesse a caixa de mensagem antes de modificar para uma senha pessoal, que é mais segura. Para alterar a senha, você vai retirar o telefone do gancho, aguardar o tom de discar, e teclar oito, cinco, oito e quadrado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Espera um pouco que eu estou anotando. Oito, cinco... oito?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Isso mesmo, e quadrado.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ No meu telefone não tem quadrado não.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ É o “jogo da velha”...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Ah, bom... E depois?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Depois ele vai te direcionar para a mudança da senha. Digite uma senha com quatro números e aguarde pela confirmação. A senha só não pode ser com números repetidos, ou postos em seqüência, como cinco, meia, sete, oito, por exemplo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ hum, uhum...número da senha... Ok, e depois?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Confirmada a senha, você automaticamente entra no menu inicial, e tecla a opção quatro. O menu vai te falar quantas mensagens você tem, e qual opção teclar para acessar cada uma delas. No final da mensagem, vai te dar a opção de salvar ou excluir.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Então agora você vai esperar aqui porque eu vou fazer a mudança da senha conforme você me orientou. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Mas a ligação não vai cair? Você não teria que encerrar esta ligação pra fazer a programação? Porque se você<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>tiver que desligar eu dou um espaço de cinco minutos e ligo de volta...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ A gente tem dois telefones. Eu estou falando do que está no nome do meu marido, vou até o escritório fazer a programação e já volto.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Tudo bem.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Promete que você não sai daí?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Prometo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Silmara se sentia meio enganada pela cliente: fazia seis minutos que ela saiu para resgatar a sua senha, e ainda não tinha voltado. Agora não podia desligar, porque disse que esperaria. Na verdade, poderia simplesmente chamar três vezes por Regina, e caso ela não respondesse, encerrar a ligação sem problema algum. Onze minutos depois um homem toma o telefone, aos prantos:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Alô?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Sim, aqui é a Silmara. Com quem eu falo? –<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>respondeu por reflexo, assustada.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Aqui é o marido da Regina, o Valter.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Tudo bem, Valter? Eu estava com sua esposa na linha agora a pouco, e ela ficou de fazer a programação no telefone para recuperar a senha da caixa de mensagem. Ela conseguiu?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Conseguiu sim, minha filha. E eu quero muito te agradecer por isso. Seu supervisor está? Gostaria de falar com ele...</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ A respeito de quê?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não precisa ficar com medo. Não é nada pra te atrapalhar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ É porque eu preciso dizer a ele o motivo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Diz que eu quero falar com ele sobre você.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Tudo bem. Aguarde um momento que eu vou chamar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O supervisor ficou sem entender o porquê. Foi um atendimento tão perfeito. O que pode ter saído errado? Pegou o headset, pôs no ouvido e se apresentou:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Sim, eu sou o gestor dela desde que chegou na central. Sim, sim, é verdade. Não... ela nunca atendeu com esse tipo de comportamento, é uma característica dela... Não... – e fez uma pausa e tanto. – Entendo. Lamento por sua perda.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ A mulher dele morreu? – perguntou Silmara, se remoendo de curiosidade. O supervisor apenas acenou com a mão dizendo que não e que ela ficasse <personname productid="em silêncio. Olhava" w:st="on">em silêncio. Olhava</personname> para ela, cada vez mais surpreso com o que ouvia, até que começou a querer chorar.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Sim, ela está aqui do meu lado. Quer falar com ela? Sim, só um momento. – e passou o headset para ela.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Pode falar, Valter. Estou te ouvindo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Eu precisava agradecer de forma especial pelo seu trabalho, minha filha, porque você não faz idéia do quanto você foi importante para nós.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Obrigada. - disse, ainda sem entender.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não sei o que faria sem você. Sabe por quê? Meu filho faleceu recentemente, e a gente não teve a oportunidade de vê-lo novamente desde que foi estudar <personname productid="em São Paulo." w:st="on">em São Paulo.</personname> </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Sinto muito, Valter.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Quando saiu de casa estava brigado com a mãe, que não queria que ele saísse antes de se casar. No dia seguinte ela já estava arrependida, mas não tinha mais contato com ele. Isso já tem dois anos e meio. Na semana em que ele vinha para cá, tinha deixado um recado para avisar que chegaria <personname productid="em breve. No" w:st="on">em breve. No</personname> recado ele disse: “Mãe, espero que me perdoe pelo que fiz. Sinto muito sua falta, e não quero ficar brigado com você. No começo fiquei com raiva, mas não dá pra ter raiva justo de você, que sempre me quis bem. Te amo”. No dia seguinte, ele sofreu um acidente de carro. Minha mulher não se perdoava por ele ter morrido brigado com ela, e começou a adoecer.Isso tem quase uma semana, e ela não chorava por ele, não entendi bem o porquê: ela se sentia culpada, e queria o perdão dele. Está no quarto chorando tudo o que guardou até agora, e por isso eu é que peguei o telefone. E ainda bem que você nos ajudou com a mensagem, porque ela não conseguiria viver carregando essa dor por muito tempo. </span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Realmente sinto muito, Valter.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Você não precisa sentir. Parabéns por sua competência, e por ter ouvido nosso pedido.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Obrigada. – ela falou tentando segurar as lágrimas. – Mas como vocês ficaram sabendo da mensagem?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ A noiva, que ele queria apresentar pra gente hoje, nos avisou da mensagem. Enfim, muito obrigado, viu?</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ela encerrou o atendimento, engasgando as palavras da fraseologia final. Precisou de algum tempo para se recompor. Não tinha percebido como seu trabalho pode influenciar a vida de alguém, e a sua própria. Imaginou uma história inteira: se o jovem foi feliz com aquela noiva, como foi quando a sua mãe o tentou encontrar, se no lugar dela teria ido até o fim com o atendimento, como seria ver um filho morrer antes dos pais. Pensou se teria tempo o suficiente pra falar tudo o que ela quer e precisa falar, se as pessoas que ela ama estarão em casa quando ela chegar, se ela viverá o suficiente para ter filhos. Esperou sua pausa chegar, pegou seu celular no armário, ainda com olhos marejados, e discou um número:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Pai, me perdoa... – falou quando ouviu a voz do outro lado. – Eu sei... eu sei... o senhor estava certo... Nada não, pai. Só estou arrependida... nada não, sério... É que... eu percebi que esse tempo todo sem conversar com o senhor ... Foi uma bobagem, eu não precisava ter feito isso... Quero. Eu saio daqui e passo aí pra gente conversar... Também, pai. Beijo.</span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ela o culpava pela separação deles. Acha que ele desgastou o casamento com sua mãe, o que a afastou dele, e por isso merecia certas hostilidades, como na semana passada em que fugiu de casa para ir à uma festa. <span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">Quando ele foi buscá-la, foi humilhado <personname productid="em público. Ela" w:st="on">em público. Ela</personname> falou coisas sobre o casamento dele que ninguém mais precisava saber. Agora lamentava sua imaturidade. </span></span></span><br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt;"><span style="background-color: #f3f3f3; font-family: "Courier New", Courier, monospace;">Por mais cruel que seja a morte é a única coisa que nos faz relembrar o que realmente é importante, e rever nossas prioridades. Mais interessante ainda é como fatos como esses acontecem exatamente quando precisamos repensar atitudes que podem nos levar a um caminho sem volta. Silmara agradecia por ter tido a oportunidade de voltar atrás naquele momento. É certo que o que aconteceu não pode ser mudado, mas de agora em diante ela decidia-se por não perder oportunidades de aproveitar a presença das pessoas que ela mais amava. Afinal, como dizia seu cantor preferido, “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”, e nunca até aquele episódio, essa frase – essa música inteira – fizera tanto sentido para ela. Foi exatamente esse o dia em que ela se livrou da sua velha maquininha de rotular culpados e inocentes. O último rótulo ela pensou em pregar na própria testa, mas descobriu que não tinha mais espaço. Tudo bem, porque aquele era um novo começo.</span></div></div>victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-7843515055635758332011-08-02T16:51:00.000-07:002011-08-03T16:26:15.796-07:00Um Péssimo Aniversário<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">Foi duro para Cláudia. Não era algo fácil de se decidir, mas ela chegou à conclusão de que aquele era o limite. Para ela, era imperdoável ele tê-la deixado ali, plantada na sala, em trajes de gala, esperando que a levasse em sua própria festa de aniversário. Depois de quase uma hora e meia recebendo ligações desesperadas de todos os membros possíveis e imagináveis de sua família, e de ter ligado no mínimo trinta vezes para ele, decidiu pegar um táxi. Tinha sido assim nos dois últimos meses: ele repentinamente inventava uma desculpa para ela e sumia, sem dar satisfações. Muitas “amigas” disseram tê-lo visto em alguma boate, bar, festa, não menos de uma vez. Normalmente Cláudia não empresta seus ouvidos à esse tipo de comentário, mas onde há fumaça, há fogo, e no caso dele, era fumaça demais. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Se não foi à casa da Jennifer, onde você estava, Rafael? – havia perguntado há duas semanas atrás.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Depois de cinco anos de namoro você ainda não confia em mim, Cláudia? Por que a gente não conversa cara a cara com ela amanhã, já que você acha que eu estou mentindo? Assim a gente dá cabo dessa dúvida de uma vez por todas.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ É só me dizer onde você esteve naquela noite, Rafael. Não precisa fazer esse drama.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Quem está fazendo drama é você, com esse ciúme bobo.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Ciúme bobo? Meu namorado some, desliga o celular, não deixa notícias </span></span><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">com os pais, com os amigos, com ninguém, toma o carro do melhor amigo emprestado e vai até a cidade da menina que vive dando em cima dele quando está na cidade. Você quer que eu simplesmente sorria e diga que está tudo bem, e que são coincidências insignificantes, Rafael? Tenha dó!</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Tem razão. Vou ligar pra ela agora e falar que vou passar lá, e nós dois vamos até a porta da casa da tia dela,onde ela sempre fica hospedada. Hoje mesmo... Por que esperar até amanhã? – falou ele, pegando o celular. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Pára com isso, Rafael. Não precisa. Odeio quando você faz isso.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O celular vibrou. Era ele! Agora que ela tinha tomado um táxi e não precisava mais dele, o bendito resolve aparecer? Quanta consideração a dele, hein?... Desta vez não. O celular vai cansar de tocar: ligações dele definitivamente não merecem atenção hoje. Já bastava o esforço que ela fazia para não chorar. A vontade dela era de atender e despejar todos os palavrões que conseguisse, terminar tudo e ponto final. Se ela fizesse isso, ia chorar e borrar a maquiagem, portanto, isso deveria aguardar. Se alguém perguntasse por ele na festa, ela simplesmente diria: “Está proibido falar esse nome na minha festa, ok”? Sairia do táxi e deixaria seu celular de propósito dentro dele, para ser forçada a trocar o número. Assim ele não a encontraria mais. Depois de amanhã ela vai viajar para Florianópolis a estudos, e já que ele não tem a coragem de abrir o jogo com ela e terminar de uma vez com essa palhaçada, que fique sem saber o que aconteceu.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ É esse aqui, moça?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ É sim. Residencial Atlantis. Quanto ficou, moço.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Vinte reais. – falou o motorista, agora sem graça. Tentou a viagem toda puxar conversa com ela, e desempenhar seu papel de psicólogo, mas a mocinha não estava muito afim de conversa. Entregou o dinheiro, saiu atordoada e bateu a porta com força. Ele poderia ter reclamado, mas ela deve estar com algum problema daqueles. </span></span><br />
<span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Meu Deus, Cláudia! Fiquei preocupada. O que aconteceu? – perguntou a mãe. Ao ver que a filha estava sozinha e arrasada desfez a pergunta. Só podia ter brigado com o namorado de novo: </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Esquece. Depois da festa a gente conversa sobre isso.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Estavam todos lá: sua prima Sofia veio da Bélgica, e com ela mais dois amigos altos e loiros que queriam conhecer o Brasil. Sua tia Sula e família, enterrados há muito no interior de São Paulo; seus tios da cidade grande, primos, todos. Dos seus amigos, todos os mais chegados, sem exceção, estavam lá. Até mesmo Sócrates, que teve vestibular pela manhã, viajou perigosamente para vê-la.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Amor da minha vida. Por que não abandona aquele cabeludo e casa comigo?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_Como é que você conseguiu chegar aqui, menino? São quase três horas de viagem...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Eu estava de moto, e vim rasgando o chão. Não é todo dia que minha futura noiva... – ele levou um tapa no ombro – Tá bom: minha melhor amiga desde o jardim de infância (melhor assim?)...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Melhor. Seu bobo...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Tá. Não é todo dia que ela faz vinte e dois anos. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Você devia tomar mais cuidado com estradas, sabia? Não conseguiria me perdoar se acontecesse alguma coisa com você só porque você não queria perder minha festa.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Mas dirijo muito, Miss Pepper. Pode ficar tranqüila...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Aham... Super-homem...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Mas quando eu cheguei aqui na entrada eu parei de correr: teve um acidente feio com uma ambulância e um caminhão desgovernado. O motorista estava bêbado, deixou o caminhão entrar na outra pista e bateu com tudo em uma ambulância. A vítima que estava sendo transportada morreu na hora, e um cara que estava com eles faleceu a caminho do hospital. Até quando eu saí de casa estava passando no jornal. O cara estava tão feio que ninguém reconheceu ainda.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Credo, no meu aniversário e você me contando sobre esses acidentes.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Cláudia, meu bebê, vem cortar o bolo!- sua mãe gritou.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>A cerimônia de cortar o bolo é sempre igual: primeiro vem o parabéns, e depois o famoso “com quem será” (Cláudia fingiu que não era com ela, e que não queria matar ninguém). Alguém grita: “Discurso”, mas ninguém deixa a aniversariante falar. Em seguida, o discurso do primeiro pedaço, que Cláudia dedicou à sua mãe, que batalhou sozinha para oferecer à filha a melhor vida que pôde, e volta e meia, apesar dos sinais evidentes de estresse, trazia uma surpresa ou outra para ela. Notou então que Sócrates estava ao telefone durante o discurso, e que estava muito nervoso por algum motivo. Ele olhava para ela e desviava o olhar, e em seguida foi conversar lá fora. Ela terminou o discurso e foi atrás dele. Alguma coisa deve ter acontecido com seu irmão mais velho, que estava com uma cirurgia marcada para o joelho. Não o tinha visto na festa, provavelmente por isso: a cirurgia estava marcada para o dia seguinte, às seis da manhã.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ O que foi, bicudo? Aconteceu alguma coisa?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Aconteceu.- disse ele, tentando segurar as lágrimas.- Pode chamar sua mãe por favor, Cláudia? – aquele pedido não era tão estranho para ela: a sua mãe era a maior confidente dela e de seu amigo de infância. Ela é quem resolve os conflitos emocionais deles. Enfim devia ser apenas algo do gênero.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Não quer falar comigo?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Não, eu preciso falar com sua mãe primeiro. Chama ela pra mim, e depois eu te chamo pra gente conversar.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Enquanto ele e sua mãe conversavam, ela observava as reações, e tentava deduzir do que se tratava. Sua mãe olhava pra ela, cruzava os dedos, gesticulava, se esforçava para falar o mais baixo que pudesse. Essas coisas ela só faz quando é alguma coisa muito grave. Ela começou a suar as palmas das mãos. Por fim sua mãe a chamou.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_O que foi, gente? Por que essa cara?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Lembra do acidente que eu disse que vi quando estava voltando para a cidade? – disse Sócrates, agora um pouco mais calmo, e com uma cautela que arrepiava a espinha.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Sim. O que tem?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Filha, senta aqui perto da mamãe... – não podia ser bom. Os milésimos de segundo pareciam horas de suspense. A conversa estava simplesmente horripilante. Quem será que estava naquele acidente?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Quem estava lá, mãe? - direta, como a ansiedade demandava.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Filha, cadê o seu celular?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Deixei no Táxi. Quem estava no acidente, mãe?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">Silêncio. Era inevitável: não é uma notícia fácil de dar. Quisera Sócrates ter a forma certa de dar uma notícia tão pesada.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_Quem, mãe? Me fala logo, que eu já estou tendo um infarto de tão ansiosa!</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ O Rafael descobriu recentemente uma irmã por parte de pai, que estava sofrendo com leucemia. Ela teve alguns envolvimentos com drogas antes da doença, passou um tempo na Febem, e três anos antes de descobrir a doença tinha decidido mudar de vida. Há dois meses atrás ele vinha querendo conhecer a garota, então eu emprestava meu carro para ele ir até a casa dela. Ontem à noite ele pegou meu carro lá em casa, dizendo que ia visitá-la hoje. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ E o que isso tem a ver com essa história toda? –ela falou, já prevendo a resposta. Seus olhos estavam marejados.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Ontem saiu o teste de DNA, que ele pediu escondido dela, que confirmou que eles são mesmo irmãos. Você sabe, né? Era difícil confiar de verdade na história dela<personname productid="em algu←m. Descobriu" w:st="on">. Descobriu</personname> também que era um doador compatível para ela, e foi até lá hoje de manhã para dar a notícia. Ela teve uma emergência médica, e ele ligou para o SAMU. Estavam à caminho do hospital quando o caminhão se chocou com a ambulância em que eles estavam, mas os noticiários erraram uma coisa: ele está vivo e passando por cirurgia na UTI agora. Tentaram ligar para você, mas o celular chamava e não atendia.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ela passou a madrugada gritando com médicos, querendo entrar no quarto, mas eles explicavam que o Rafael não podia receber visitas naquele momento, porque estava prestes a passar por mais uma cirurgia. Isso se seguiu por seis dias. A garota mal conseguia dormir. No máximo, cochilava na sala de espera do hospital. Comia graças aos esforços da sua mãe e de sua “sogra”. O garoto estava estável, e acabara de abrir os olhos pela primeira vez em seis dias. Podia receber visitas em duas horas. Sócrates a convenceu a voltar à sua casa, comer bem, se arrumar e voltar ao hospital no horário de visitas, porque afinal o quadro do seu amigo era estável. Quando voltou ao hospital ainda faltava meia hora para poder vê-lo. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Agora eu estou menos preocupada. O médico disse que ele está estável e que não parece ter tido seqüelas graves na coluna. Depois que receber alta vai recuperar todos os movimentos normalmente. – falou a mãe de Rafael, agora mais calma e positiva.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ O que foi que eles fizeram esses seis dias na UTI? Te disseram?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Ele machucou demais a cabeça...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ É, isso o Dr. Ivan me falou.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Depois da cirurgia ele teve uns coágulos no cérebro. As duas cirurgias foram um sucesso, graças a Deus. Agora ele está estável, deve sair da UTI <personname productid="em breve. O" w:st="on">em breve. O</personname> médico levou um susto quando soube que ele tinha acordado, porque a previsão era de que ele demorasse muito mais pra abrir os olhos. E a enfermeira me disse que o primeiro nome que ele lembrou foi o seu. Sabe de uma coisa, meu bem, vocês estavam meio brigados ontem... Acho que vai ser bom pra você e pra ele conversarem um pouco agora.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Mas eu vou depois da senhora, dona Júlia, vai visitar seu filho...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Eu vou ser breve. De qualquer modo, não saia daqui sem falar com ele. Meu filho te ama tanto...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Vou sim. Fiquei acampada aqui no hospital por causa disso.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Depois que a mãe saiu do quarto do filho aos prantos, o médico a chamou. Cláudia sentia um certo remorso, e pedia a Deus o tempo todo que a perdoasse, porque pensando bem, Rafael nunca tinha dado a ela qualquer motivo para ter ciúmes. Pelo contrário, ela já teve muitas provas de que ele é fiel. Ao se sentar ao seu lado, ainda tinha dúvidas se aquele seria mesmo ele. Talvez a enfermeira tivesse se enganado.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Rafa...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Amor... – falou ele, quase sem forças.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Não fala, amor. O médico disse que quanto menos esforço você fizer, mais rápida vai ser sua melhora. – falou, tentando não chorar, o que era impossível. Ela não acreditava que aquilo pudesse estar acontecendo: ele estava totalmente deformado, inchado, mal abria os olhos. Seu corpo estava remendado, ligado por pedaços de metal e tubos por todo corpo, para injetar o soro, filtrar seu sangue ou para auxiliar na respiração.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Eu ia te pedir <personname productid="em casamento... Cad↑" w:st="on">em casamento... Cadê</personname> a aliança que eu te comprei?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ O quê? – uma pausa longa enquanto ela tentava absorver aquela frase, e ele encontrava fôlego para dizer mais alguma coisa.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Pergunte ao médico. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Eu vou perguntar. – disse ela em prantos. – Agora descansa um pouco, amor. Quando você sair daqui a gente se casa. É bom que este seja o pedido, porque a resposta é sim, tá?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Te amo.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;">_ Eu também. Vou ficar aqui todos os dias até você sair. A enfermeira já está me chamando, preciso ir. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="background-color: #f3f3f3;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>No dia seguinte, antes de poderem ver o Rafael, ele teve uma parada cárdio-respitarória, e o horário de visita foi suspenso, dessa vez permanentemente. Ele morreu naquela noite, após horas de cirurgias das mais diversas. No fim das contas, não importava para Cláudia o motivo da morte, porque a única coisa que sabia era que ela não se casaria com ele. Não o veria mais. Não sabia e não se interessava por responder às freqüentes perguntas sobre isso durante o velório. Também não queria questionar a justiça de Deus. De certa forma – pensava ela -, Deus foi justo, porque ela não merecia ter alguém como ele em sua vida. Afinal, desde que começou a andar com as próprias pernas, saiu com tantos homens, aprontou tanto, se desprendeu tanto do amor que, quando ele veio, ela não soube cuidar. Ninguém mais a amaria como ele. Ninguém mais seria capaz de perdoá-la – como ele fez – se a visse com outro. Na ocasião, eles completavam um ano de namoro, e aquela foi a última vez de muitas. No fundo, ela tinha ciúmes por medo que ele a deixasse – e deixou. Tinha medo que ele “desse o troco”, ou que descobrisse que não conseguia confiar mais nela, mas várias vezes e de maneiras diferentes, todos os dias, ele provava que aquele assunto ficou no passado. Talvez Deus tenha considerado injusto que ela colhesse algo que não semeou, ou talvez tivesse apenas acontecido. Ela nunca se conformaria com a sua morte, mas sabia que não podia fazer o que quisesse e se comportar de maneira imatura sem que houvesse conseqüências. Pelo resto de sua vida, guardaria o par de alianças que o médico a deu, com a frase que ela jamais havia compreendido de verdade até aquele momento: "Com todo o meu amor, Rafael".</span></span></div><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"></span>victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-8672943589745921879.post-10736336252554471722011-07-23T16:43:00.000-07:002011-07-23T16:43:35.697-07:00Bate Piego e Fazi Bigode<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Como assim, Matheus? Que bigode?! – aquilo quase enlouquecia a diarista. Ela já tinha revirado todos os DVD’s possíveis e cabíveis, e o garoto continuava empreendendo, fadigado de tanto chorar, a batalha de sua vida: conseguir que Eunice colocasse o desenho que ele queria assistir.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Eh, môti... bati ... o telo ...aí o biúde pega ... eh.. eh ... bate o piego e fazi bigode...- e a cada negativa da moça, o garoto se enfurecia. Agora já estava mole demais para esboçar uma reação enérgica. Suspirava, frustrado, e levava a mão ao rosto.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Luana, você sabe que desenho é esse? Bate o prego e faz o bigode? – A adolescente olhou com cara de quem estoura um chiclete, ensaiou uma reação de deboche e com os olhos respondeu: “se vira”. “Aborrescentes!” pensou Eunice. Não poderia ser pior: o único capaz de traduzir o dialeto do pequeno Matheus, de dois anos de idade, é o seu pai, mas ainda faltava muito para ele voltar do trabalho, e tudo indicava que aquele pedaço de rebeldia com espinhas estirado no sofá simplesmente não ajudaria.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">Play... e mais um show de berros e resmungos que, claro, significavam “esse não”. Se fosse o Juliedson, o filho dela, levaria umas boas palmadas para deixar de manha, mas com o filho da patroa tinha que ser tudo regado a psicologia, e meu Deus, como psicologia cansa a beleza! Por fim ela desistiu:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Ah, Matheus! Não sei o que é isso... Não é o Pica-pau, nem a galinha pintadinha, nem o Rei Leão...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ É bate o piego e fazi bigode... – falou o Matheus, espalmando as mãos. Tão eloquentemente que quase a convenceu de que ela é que não sabia de nada. E quer saber? Não sabia mesmo, e tinha raiva de quem soubesse. A pilha de roupas que a esperava era imensa e não se lavaria sozinha, e quando os patrões chegassem, toda a casa deveria estar <personname productid="em ordem. Pensando" w:st="on">em ordem. Pensando</personname> bem, os garotos também, mas segundo sua lista de prioridades os caprichos do Matheus podiam esperar.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Primeira semana é sempre a mais complicada. Em sua vasta experiência como diarista, Eunice sabia que se sobrevivesse a ela, teria mais uma freguesa. Ultimamente não podia se dar ao luxo de escolher – no mês que vem o Juliedson vai para uma excursão com a escola, e ela precisa garantir que ele estará bem cuidado. Fora o custo da viagem, ela precisa deixar uns trocados para Silvia – sua amiga, e professora do garoto – comprar um lanche respeitável e menos calórico para ele, e lotar sua merendeira de frutas. Ela sabia que ele não ia comer, a menos que fosse a última coisa que tivesse para lanchar. Semana passada, ela ficou sabendo pela amiga que ele negociava o lanche com os colegas: trocava as frutas por bobagens. Não bateu no garoto porque achou interessante o dom que ele tem para negócios, mas descontou tudo no almoço: verduras, salada e verduras, nada mais. De sobremesa, salada de frutas. No fim das contas, com o suspiro mais clichê do mundo - aquele que todas as mães já deram: “meu bebê podia ficar sempre desse tamanho, e não crescer nunca”- rendia-se às vontades dele (mas só de vez em quando). E Matheus ainda estava chorando. Droga! Ela é mãe. Tentou ignorar com todas as suas forças e fazer o seu trabalho, mas parecia ser algo tão insensível da parte dela que, irracionalmente, a fazia se sentir uma daquelas mocréias que batem nos filhos dos outros na creche. Nem percebeu que fez o arroz sem alho, que não colocou óleo e sal na a água do macarrão, que a carne estava levando tempero demais... Agora pronto! Quer dizer que se ela não conseguir desvendar o enigma do Matheus, não vai conseguir trabalhar!? “Decifra-me ou te devoro”, ela pensava consigo mesma, se recriminando. Que coisa ridícula, não conseguir trabalhar por algo tão frívolo...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Luana, tira esse trem do ouvido e vai fazer sua tarefa! – falou, tentando se concentrar no trabalho. Para que o dia de Eunice ficasse ainda mais feliz, Luana ouvia suas músicas esquizofrênicas, balbuciando um embromation esquálido, com a ponta dos pés marcando o ritmo. Sequer ouvia o mundo ao redor.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Luana! Luana! – foi até o sofá e cruzou os braços na frente da menina, que tirou o fone do ouvido como se estivesse prestes a ter um infarto. Ela inspirou bem fundo e expirou lentamente:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Pois não? -<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>sarcástica como sempre.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Você precisa fazer seu dever de casa.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ E você precisa cuidar de sua vida. Já te ocorreu que eu não consigo pensar de barriga vazia? – touché. Depois de alguns lampejos psicóticos, Eunice contou até dez enquanto a porta-espinha a fitava. Satisfeita com o que tinha imaginado, falou ao Matheus:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Pede pra sua irmã colocar o filme pra você, Matheus. Ela sabe qual é.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">A cara de ódio e surpresa que Luana fez lavou a alma da diarista. Matheus imediatamente se pendurou na blusa da irmã, e começou a gemer algumas palavras.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Ah, não! De jeito nenhum eu vou ficar aqui tentando adivinhar que filme esse moleque quer! É a sua obrigação! Eu não sou paga pra isso, você sim! Quando minha mãe chegar eu vou falar que você me maltratou, e me pôs pra fazer papel de escrava! E que deixou o Matheus sozinho aqui, chorando, e foi fazer suas coisas! É sério, cara, não é justo!- disse ela, com as espinhas quase explodindo. Eunice sabia que era um blefe, porque sua mãe a incumbira de ajudar a nova diarista com “aquilo que fosse necessário”. Completando sua vingança, ela se voltou para a mocinha, com cara de quem estoura um chiclete, ensaiou uma reação de deboche e, com os olhos, respondeu: “se vira”. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Não é justo, cara!.. Ai, que ódio de você, sua fulana! Vou fazer sua caveira no twitter! Você vai ver, nunca mais vai arrumar serviço! – gritava, enquanto Eunice voltava à cozinha. Portanto, de novo a cena se repetia: Luana gritava com o menino - uma voz esganiçada, estridente como uma arara – o que era isso de “bate o prego e faz o bigode”.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ É tão bom quando os irmãos se dão bem... - falou Eunice para a panela de macarrão. Talvez isso fizesse a aborrescente ficar mais calma: cuidar de criança é relaxante... Além do que, aquele era um dia complicado para ela – aquele dia complicado de todo mês -, portanto não queria ouvir essas hipérboles de adolescente. Bastavam as dela. Não que ela gostasse de digladiar com qualquer pessoa, mas já estava passando dos limites. Desde que pisou os pés ali, a garota implicava com ela o tempo todo. Não estava maltratando o seu irmão ou ela, ou tentando roubar o marido da mãe, ou roubando os objetos da casa. Estava trabalhando! Queria somente um pouco de paz para fazer seu trabalho todo. Se isso fosse algum crime, que seu nome fosse posto em cartazes por toda a cidade, e aí sim, se a pirralha fosse... Espera um pouco. Não é possível! Ela ria-se sozinha, e repetia para si memsa: impossível, não pode ser esse. Foi até a estante da televisão, pegou o DVD com o desenho do Robin Hood e pôs o bendito para rodar. Assim que bateu os olhos na televisão, o pequeno Matheus parou de chorar. Segundos depois, estava sorrindo:</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ O biúde!!! – Eunice começou a rir.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Esse é o que bate o prego e faz o bigode?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ É! – falou ele, sem tirar os olhos da televisão. A sua irmã, desconsolada com a ignorância do irmão (e não com sua própria), jogou os DVD’s no chão, pegou seu MP4 e foi para o quarto. Com cinco minutos de vídeo, o xerife da cidade de Nothingham estava prestes a pregar um cartaz em uma árvore, quando uma flecha o interceptou. Desesperado com o rosto de quem ele viu ao olhar pra trás, fugiu, e Robin Hood, com um pincel, desenhou um bigode no retrato do cartaz: o seu próprio.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Bate o prego e faz o bigode... – ria-se Eunice, enquanto preparava o almoço. Uma pérola para alegrar seu dia estressante, como no dia em que seu filho levou um choque (de leve) ao mostrar a língua para a geladeira. </span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">Enquanto o vídeo passava, ela terminava de fazer o almoço, e fazia as últimas correções no tempero. Cozinhando, se perdeu nos seu próprios pensamentos, e nem percebeu quando Luana entrou na cozinha, porque estava entretida com o molho do macarrão.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Como foi que você descobriu? Só o papai traduz a língua do Matheus...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Foi só um palpite... Eu tinha colocado todos, mas depois me lembrei que não tentei aquele.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_Você ficou com raiva de mim?</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Eu estou com raiva de tudo hoje. Desculpa se eu fui um pouco grosseira com você.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Você também está com raiva de tudo hoje? Eu e minha mãe ficamos “com raiva de tudo” no mesmo dia...</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-size: 14pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;">_ Ainda bem que ela está trabalhando, porque pensa bem: três mulheres “com raiva de tudo” no mesmo dia! – e as duas riram. E fim de papo. Era só um dia ruim. Daqueles que acontecem pelo menos uma vez ao mês. De um jeito inusitado, o Matheus ajudou a amenizar um pouco as coisas (não falei que cuidar de criança relaxa?). No restante do dia elas conversaram como duas comadres vizinhas de longa data, sobre astrologia, novela, música, política (claro que a Luana era muito mais revolucionária que Eunice), tensão pré-vestibular, e outros assuntos que não convém citar – coisas de mulheres. Enquanto o dia se aproximava do fim e os pais das crianças estavam perto de chegar, Matheus se cansou de brincar e desmaiou no sofá. Quando recebeu sua diária e acenou para a garota, Eunice e ela tinham um bom motivo para que ela voltasse: continuar um assunto que elas tinham começado (sobre o João Paulo, aquela conversa que não convém citar). Além disso, Eunice não era a melhor em muitas coisas, mas entendia química como ninguém, e sem o encanto do “dia de fúria” para embaraçar as comunicações, as conversas eram até bastante produtivas.</span></span></div><div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0pt;"><span style="font-family: "Courier New", Courier, monospace;"></span></div>victor veigahttp://www.blogger.com/profile/00660779885843777948noreply@blogger.com1